Rascunho

Esse opióide plástico
que te reveste a face
dilui teu próprio eu.

Teu olhar — ah, esse olhar que me desfaz —
vira clarão trancado, luz interditada.
Talvez eu viva na época errada,
talvez só enxergue o avesso
da tua alegria tão ensaiada.

Vejo-te altiva, cheia de ti,
com aquele maldito plástico esfiapado
selando tuas retinas,
plastificando tua alma —
e ainda assim,
tu inteira de ti mesma.

Diz-me, então:
que espelho é esse que te confirma?
Que mito sopraram aos teus ouvidos
para te tornares tão certa, tão luminosa,
tão prisioneira?

Despida desses artifícios,
no sossego do teu próprio leito,
és pura claridade:
pele alva,
contornos que se insinuam,
aroma que me inebria e me condena.

E eu, em desatino,
forjo mais uma fantasia —
a última talvez —
para preencher este vazio antigo
que insiste em morar em mim.