Malunguinho de Catucá,
permita-me esta reza.
Eu oro sob tua guarda,
nos moldes antigos
do Catimbó Jurema.
Se escrevo errado,
se visto errado,
se me expresso torto,
se meu cabelo é o que herdei,
se minhas canelas são alvo,
se me escondem no mucambo
ou na maloca de Santarém —
Malunguinho de Catucá,
permita-me esta reza
nos moldes santos
do Catimbó Jurema.
Se ando triste, desempregado,
se meu nariz é largo
e minha prece desacreditada;
se não reconhecem meus encantados,
se minha escrita lhes parece escrota,
mas minha oralidade é ancestral —
Malunguinho de Catucá,
abra o caminho desta reza
no terreiro vivo
do Catimbó Jurema.
Ainda sento no fundo da sala,
ainda abaixo a cabeça.
Nos guetos, vielas, periferias,
ainda esfolam minha carne
e chamam isso de justiça.
Mas eu retorno — Sankofa —
no pé de uma bananeira sagrada,
para vingar os alfozes
da casa-grande e dos palacetes.
Malunguinho de Catucá,
segure minha mão nesta reza
que arde e cura,
nos moldes da Jurema Santa.
De Maria Doze Homens a Nego Bispo,
do samba à capoeira,
do suor marrom, pardo ou caboclo —
eu sei, Brasil:
sou quem carrega tua solução.
Foste varrendo minha gente
como poeira debaixo do tapete,
sapateando sobre covas rasas
de um terreiro de sangue
que, em noite enluarada,
batuca o ermo sertanejo
e pulsa, encantada,
minha silenciosa insurreição.
Malunguinho, três vezes invoco.
Três vezes chamo.
Três vezes firmo.
Da esmeralda, espero.
Há de vir o acerto de contas
de quem ergueu sobre meus ombros
riqueza, soberba e ostentação.
Pois não haverá paz,
nem descanso,
nem dia limpo,
enquanto meus mortos, alinhados,
continuarem enfeitando teu chão,
visse?