“Versos in vitro” dialoga diretamente com Augusto dos Anjos, reelaborando sua famosa imagem da “ingratidão-pantera” e estendendo-a também à solidão. A pantera aqui não é apenas fera externa, mas projeção psíquica: ora venera, ora onera, como pulsão paradoxal que alimenta e destrói.
Do ponto de vista psicológico, o poema dramatiza o não-encontro consigo mesmo: o eu-lírico admite evitar o espelho, projetando sua identidade em geografias longínquas (Almería, Andaluzia, Portucali). O que poderia ser reconhecimento torna-se exílio. A pantera é, nesse sentido, metáfora do inconsciente que persegue e domina.
Literariamente, o texto funde a herança simbolista e parnasiana (Augusto dos Anjos, Florbela Espanca) com a inquietação moderna (Pessoa, Lorca). Ao proclamar-se andarilho, o eu-lírico reconhece que seus versos são “in vitro”: experimentos de identidade, incubados em solidão e ingratidão.
Assim, o poema constrói um retrato de alma cindida, que vagueia entre lugares e feras internas, confirmando que a poesia é, antes de tudo, laboratório de sobrevivência psíquica.