Versos in vitro

A solidão essa pantera
À solidão que tanto me venera
Nos dias quentes da primavera!

A ingratidão esta pantera
À ingratidão que tanto me onera
Nas noites quentes que assevera! 

Acostuma-te, assim o fiz
Andarilho de passos em motriz 
Lamuriando súplicas contigo mesmo
Sem se olhar muito no espelho
Almería, Andaluza, Portucali ou Imperatriz...



“Versos in vitro” dialoga diretamente com Augusto dos Anjos, reelaborando sua famosa imagem da “ingratidão-pantera” e estendendo-a também à solidão. A pantera aqui não é apenas fera externa, mas projeção psíquica: ora venera, ora onera, como pulsão paradoxal que alimenta e destrói.

Do ponto de vista psicológico, o poema dramatiza o não-encontro consigo mesmo: o eu-lírico admite evitar o espelho, projetando sua identidade em geografias longínquas (Almería, Andaluzia, Portucali). O que poderia ser reconhecimento torna-se exílio. A pantera é, nesse sentido, metáfora do inconsciente que persegue e domina.

Literariamente, o texto funde a herança simbolista e parnasiana (Augusto dos Anjos, Florbela Espanca) com a inquietação moderna (Pessoa, Lorca). Ao proclamar-se andarilho, o eu-lírico reconhece que seus versos são “in vitro”: experimentos de identidade, incubados em solidão e ingratidão.

Assim, o poema constrói um retrato de alma cindida, que vagueia entre lugares e feras internas, confirmando que a poesia é, antes de tudo, laboratório de sobrevivência psíquica.