Versos em trânsito

Que cada partícula semântica atinja
Que cada fonema quântico deflagre
Que cada grafema imprima
Na derma d’alma o salgado licor
Que na tez salga

Que cada fóton me iluda
Na valsa química conceda
Lembranças que de alguma forma
Acenem e eternamente conceda

E quando no crepúsculo do dizer te faltem palavras
Saiba que de certo modo vivi em ti
Abrigado em palavras, trejeitos, vícios ou nada

Que na ilusão do toque, repulsa eletromagnética
A saliva que em tua boca abriga
Notas pleurais da minha passagem por cá


O poema “Versos em trânsito” projeta a experiência amorosa como uma dança entre ciência e mística, desejo e impossibilidade. Cada fonema, fóton ou grafema surge como partícula de energia, como se o amor fosse também um fenômeno quântico, sujeito a atração e repulsa.

Do ponto de vista psicológico, a voz lírica oscila entre o Eros freudiano (a saliva, o toque, a valsa química) e o Tânatos (a repulsa eletromagnética, o salgado licor da dor). Em chave lacaniana, é a própria linguagem — partículas semânticas, fonemas, trejeitos — que abriga o sujeito no outro, revelando a impossibilidade de um encontro pleno.

Literariamente, o texto dialoga com Drummond, Pessoa e a poesia concreta, ao transformar palavras em matéria física e energia sensorial. A memória e o vestígio são o que restam: “notas pleurais da minha passagem por cá”.

Assim, “Versos em trânsito” afirma que amar é viver em instabilidade: entre o abraço e a distância, entre a física do corpo e a metafísica da linguagem.