Meu âmago

Meu âmago suplica por luz,
meu âmago envaidece sobre si;
meu âmago me enoivece,
feito chama que se consome,
feito silêncio que me fere.

Por aqueles lábios desconhecidos,
há algo de que preciso:
nutrir minha pele,
minha mente,
minha visão.

Meu âmago espera,
e no esperar se inventa —
como se fosse raiz,
como se fosse abismo,
como se fosse promessa
que nunca se cumprirá...


Em “Meu âmago”, a voz poética mergulha em seu próprio centro, buscando luz, mas encontrando também ferida. O âmago é lugar de contradição: suplica, envaidece, consome-se. Entre o desejo de revelação e o risco da autodestruição, surge a imagem dos “lábios desconhecidos”, metáfora do Outro inatingível.

Psicologicamente, o poema encena a lógica do desejo: aquilo que nutre é também o que falta. Em chave freudiana, pulsações de vida e de morte se entrelaçam; em leitura lacaniana, a promessa nunca cumprida é o próprio motor do desejo.

Literariamente, o texto dialoga com a tradição introspectiva de Pessoa e Rilke, e com a sensibilidade ferida de Florbela Espanca. A espera, aqui, não é mera passividade: é invenção de si, é raiz e abismo ao mesmo tempo.

Assim, “Meu âmago” afirma que viver é inventar-se no intervalo entre o desejo e a falta, entre a promessa e a impossibilidade.