Iracema

Distante dos meus sonhos, vive a ninfa,
misteriosa, celeste e angelical;
concede a valsa, ó deusa sem igual,
que em minha dor teu corpo se adivinha.

Suplico e vejo a sombra que me cega,
teu pólen d’ouro em brumas me devora;
a febre acende e a solidão implora:
por teu santuário minha alma segue.

Poderei beber-te a chama em tua boca?
Ou serei pó nas mãos da ingratidão,
enquanto a noite em trevas me sufoca?

Iracema! Veneno e perdição,
dá-me o néctar que a carne me provoca,
antes que o tempo extinga a paixão



O soneto “Iracema” revisita, de forma crítica e lírica, a personagem imortalizada por José de Alencar. Aqui, Iracema não é mais a virgem dos lábios de mel, símbolo da origem do Brasil, mas antes uma femme fatale mítica, ninfa que seduz e condena o amante.

A estrutura clássica — soneto de rimas bem ordenadas — contrasta com a febre das imagens: pólen, veneno, néctar, trevas. Essa tensão revela o duplo do amor-paixão: sacralização e destruição. Se Camões celebrou a transformação do amante em coisa amada, este poema mostra o amante reduzido a pó, vítima da ingratidão.

Há ecos do romantismo sombrio de Álvares de Azevedo e da intensidade amorosa de Florbela Espanca, além da melancolia cruel de Augusto dos Anjos. Iracema, aqui, ganha uma sobrevida simbólica: não mais origem de um povo, mas destino trágico do desejo.

Assim, o poema afirma que amar é sempre enfrentar o risco da morte simbólica, e que a paixão, ao mesmo tempo em que salva, também afoga.