Inês é morta,
Inês é torta
Inês é ignóbil
Inês: me corta!
Inês não liga,
Inês não cita,
Inês, quem diga...
Inês, és a minha sina.
Inês do além-mar,
Inês além de amar,
Inês além de me olhar,
Inês, finge não se importar...
Náufrago, que sou, do batel de Afrodite,
empurro os minutos de pique a pique.
Remando sob o céu de Atlas, ignoro pensamentos enjaulados,
mas no balanço da proa, a ânsia de saber
que minhas horas já possuem uma dona.
E quem sabe quando aportar
nos trópicos ou em terra insular,
encontre Inês tranquila que vocifera:
— Vá com Deus, meu querido. Meu coração nunca foi seu!
E neste dia me obrigo
a repetir estes versos
do fundo do mar!
O poema “Inês, me castro!” pode ser lido como a travessia de um amante em direção a um porto desejado — o coração da amada. No entanto, já antes de aportar, o eu-lírico carrega em si o pressentimento da recusa, antecipando o fracasso que o conduzirá ao afogamento simbólico. Esse movimento pode ser compreendido à luz da psicanálise: em Freud, a repetição da dor é forma de lidar com o trauma; em Lacan, o objeto amoroso ocupa o lugar do objeto a, sempre inalcançável, sempre já pertencente a um Outro.
A figura de Inês de Castro, evocada no título, é também reescrita. Se a rainha-cadáver da tradição camoniana foi coroada após a morte, aqui Inês encontra-se viva, mas inacessível, pois já ama outro. Para o amante, ela é cadáver simbólico: morta para o seu desejo, mas plena de vida no mundo. Assim, o poema realiza uma torção intertextual que ecoa Camões (“Agora vede, senhores, o triste caso”), mas também sugere a mesma impossibilidade amorosa que perpassa a lírica de Florbela Espanca (“Ser poeta é ser mais alto, é ser maior”), ou ainda o sarcasmo melancólico de Augusto dos Anjos (“A mão que afaga é a mesma que apedreja”).
O título reforça essa tensão: “Inês, me castro!” sugere que a única promessa possível seria a da castração do desejo plural, uma renúncia à própria potência erótica para poder estar ao lado da amada. Nesse gesto, a poesia se aproxima do desespero pessoano, no qual “o amor é uma coisa essencialmente triste”, e do naufrágio simbólico que, desde Homero, representa o destino inexorável dos que ousam desejar além das fronteiras do possível.
Assim, a voz poética não se limita a lamentar a perda; ela encena o destino trágico de quem ama o inalcançável, convertendo o naufrágio em palavra e a ausência em criação literária.