O tilintar da colher do pedreiro,
assentando um tijolo de barro cozido.
Na algazarra orquestra de toda a minha vida,
naqueles rincões, nos bairros sem asfalto,
ressoava o som da construção que via.
No mormaço de uma tarde caída
ou na aurora de mais um dia,
correndo descalço pela terra batida,
sempre tilintava a orquestra
em sua extrema desarmonia.
E hoje, na calmaria,
minha alma procura
pelo tilintar da alvenaria —
nessas manhãs enfadonhas,
sinto saudades daquela agonia.
Ó saudades daquela imensa turma
que aos domingos capinava o campinho,
preparando o time do bairro
para a batalha que nem sempre vencia.
Nas preocupações de outrora,
a felicidade nem nos bolsos cabia
dos moleques descalços e desconectados,
patrulhando descamisados como numa elegia.
Ríamos, brigávamos,
e no alvorecer de mais um dia,
o tilintar carpinteiro
nos acordava bem cedinho.
Batendo palmas no gradil,
anunciavam: mais uma aventura!
“Tilintar de Alvenaria” é um poema de memória social, em que o som da construção — o tilintar da colher do pedreiro — torna-se símbolo de uma infância comunitária. O bairro sem asfalto, o campinho de domingo, os moleques descalços: tudo evocado como música de um tempo em que, mesmo na precariedade, a felicidade transbordava.
Psicologicamente, o poema traduz o movimento nostálgico da lembrança. O que antes era “agonia” hoje é saudade: o trauma da dureza da vida foi transformado em memória afetiva. Freud chamaria isso de sublimação; Lacan diria que o tilintar é o significante que ancora a história do sujeito.
Literariamente, o texto dialoga com Drummond, Bandeira e Gullar, ao transformar o cotidiano humilde em grande metáfora da vida. O “tilintar” é mais que som: é a marca da comunidade, da infância compartilhada e daquilo que, perdido, só pode ser reconstruído pela poesia.