Cântico ao Usurpador Alquímico

Anéis de benzeno,

sexteto do sopro divino,

hexágono de Poimandres,

guardião da usura,

dialética cabalística,

corpus do três vezes, Ele —

da esmeraldina carbonífera,

do platô da perdição de Fawcett.


Oh, todo poderoso usurpador!

Oh, todo poderoso usurpador!


Nos vales dos mortos,

fizeste minha alma soprar neste corpus.

Arquitetaste toda esquizofrenia criadora,

recolhes-te da explosão da vida —

dos paquidérmicos seres que cintilulam,

rastejam, saltitam e tocam a face de Rá.


Cantá-lo-ei nas sombras do espelho

que seus raios beijam e adormecem.

Cantá-lo-ei, criatura escondida,

na face encardida do tudo-nada.


Oh, todo poderoso usurpador!

Oh, todo poderoso usurpador!


Empanturro os dias,

embriago-me de anéis de benzol,

enebrio minha quinta essência

ao prazer da carne e dos filhos de Abraão.


El de Asherah me levaste prisioneiro

ao covil de Baal e Yavé.

Na água límpida do fosso de Hamurabi,

bebeste minha ignorância e arrogância —

nas calcárias evidências de Dyzian,

nas grutas do Tibete,

dos mahatmas que nutrem minha esperança

de que, enfim, matéria orgânica

condense-se na sefirá de Keter!


Oh, todo poderoso usurpador!

Oh, todo poderoso usurpador!


Sublime-me, Sublime-me!

Nas memórias esquecidas,

adormecidas e reveladoras!



“Cântico ao Usurpador Alquímico” é uma ladainha gnóstica em que ciência, mito e cabala se entrelaçam. O refrão repetido funciona como invocação e denúncia: o “usurpador” é simultaneamente deus e demônio, fonte de criação e prisão.

Psicologicamente, o poema encena o conflito entre desejo de completude e reconhecimento da falta. O usurpador é o Outro absoluto, que priva o sujeito da unidade e o condena à fragmentação. Essa fragmentação, no entanto, é criadora — “arquitetaste toda esquizofrenia criadora” — fazendo da perda uma fonte de invenção.

Literariamente, o poema aproxima-se de Blake, Pound e Augusto dos Anjos, pela mistura de ciência, mito e misticismo. O uso de símbolos químicos como imagens sagradas revela a busca de uma nova alquimia: uma transmutação não só da matéria, mas do próprio eu.

Assim, o poema se torna um hino paradoxal: louvor e acusação, ciência e magia, embriaguez e revelação. Ele canta o usurpador não para derrotá-lo, mas para reconhecer que é nessa usurpação — nesse roubo do divino — que nasce a possibilidade da poesia.