Elegia da (In) Vasão

Vasão
(In) Vasão
"Descobre" e mente,
rubro sangue, não sentes?
Vaso rubro, broto d'água
nascentes, não mentes?

Mortes,
Genocídio,
servidão, escravidão
envazando a vazante
matando em deflúvio?

Vinte e dois, 
invasão e genocídio.
Abriu a vazão, d'alma e da aorta
nobre gentio, nobre gentio!

Contra vontade e compadrios
vantagens empávidas
em berço esplendido e aos gritos
desgraçou o paraiso e foi-se o navio!

Cacarejo em cócoras
as sementes deste futuro
que germina no centro da oca
que culmina no parto do nosso
fúlguras, ó Brasil, porão da América
Florão de outrora rijo chora e suplica
Nesta oração, peço, ó Francisco, dai humanidade
a esta gente que caminha sem uma luz no fim do túnel!



“Elegia da (In) Vasão” é um poema de denúncia que confronta o mito da “descoberta” do Brasil com sua realidade de invasão, genocídio e escravidão. O jogo semântico entre “vazão” e “invasão” revela como a violência colonial abriu as veias da terra e do povo, transformando nascente em sangue e futuro em cativeiro.

Psicologicamente, o texto dramatiza o trauma histórico da colonização. Em chave freudiana, é o retorno do reprimido — o navio, o porão, a escravidão. Em leitura lacaniana, é a tentativa de escrever o Real do país: a mentira fundante de uma “descoberta” que foi, de fato, massacre. Ao mesmo tempo, o poema projeta esperança: a oca, o parto e a oração a Francisco são símbolos de reinvenção possível.

Literariamente, o texto dialoga com a tradição da poesia engajada — de Castro Alves a Conceição Evaristo —, fundindo denúncia histórica, experimentação formal e oração coletiva. É uma elegia que não busca consolar, mas lembrar e acusar, transformando a palavra em ato político e espiritual.