Apocatástase

Ó, antropoide primata do Vale do Rift,

lêmure equilibrista de Omo Kibish,

ébano dos ébanos, miocênica charada.


Ó, ira teosófica,

griô da Tessalônica,

andarilho das estepes do Baikal.


Fostes a semente da cobiça nos Urais?

Escondeste tua usura nas grutas do Nepal?

Perambulaste, rei dos catarrinos, pelas verdes florestas de Sumatra?


Ó, primata vigário!

D'ondes viestes?

Do agreste, da terra do Clóvis, ou do Saara?


Ó, arauto polidáctilo,

senhor dos linotipos,

rastejando pelo vale de Neander,

nos campos de papiros – vieste de onde?


Fostes o brado de Sterkfontein?

O eco mudo de Swartkrans?

A lasca esquecida de Kromdraai?


Ó, prole da Eva mitocondrial,

sapiência da boa nova,

senhor do fogo e do alcatrão –

d'ondes viestes?


Ó, Irineu dos sambaquis,

da civilização marajoara,

da senhora de Ampato,

Juanita dos cânticos de Luzia –

d'ondes viestes?


Fostes a oferenda em Chichen Itzá?

O olhar calado nos templos de Angkor Wat?

A rubra tinta que ainda sangra em Lascaux?


Ó, primata sem resposta,

passado em pedra, futuro em sombra,

d'ondes viestes?