1. “Macunaíma” (Mário de Andrade)
O poema lembra a construção da identidade brasileira híbrida retratada em “Macunaíma”, de Mário de Andrade, um dos grandes ícones do Modernismo brasileiro. A obra explora a mistura racial e cultural que forma o Brasil, unindo referências indígenas, africanas e europeias em uma linguagem que valoriza o coloquial e o popular. A evocação da "língua de preto", "língua de bugre" e "língua cafuza" no poema reflete esse diálogo com a mistura racial e linguística que Mário de Andrade elevou ao nível literário.
Paralelo: O uso de elementos como "Iansã", "terreiros", "quilombos", e "Jaci" no poema ecoa a abordagem antropofágica do Modernismo, em que a cultura brasileira é construída por meio da absorção e transformação das influências externas.
2. “O Povo Brasileiro” (Darcy Ribeiro)
A forma como o poema celebra a pluralidade de vozes e culturas remete à obra “O Povo Brasileiro”, de Darcy Ribeiro, em que o autor explora a formação da identidade brasileira a partir do encontro entre os povos indígenas, africanos e europeus. A valorização das expressões populares e religiosas, como a “macumba”, “balbucias de Iansã” e os “terreiros”, remete ao conceito de sincretismo cultural que Darcy Ribeiro coloca no centro da cultura brasileira.
Paralelo: O poema, ao reconhecer o linguajar como uma fusão de diversas influências, reflete o olhar de Darcy Ribeiro sobre a brasilidade como algo plural e forjado a partir da mistura de múltiplas tradições.
3. “Casa-Grande & Senzala” (Gilberto Freyre)
As referências às "mucamas", "amas pretas", "babás", "quilombos", e "ourives do mato" trazem à mente o clássico estudo de Gilberto Freyre, “Casa-Grande & Senzala”, que analisa as relações entre senhores e escravizados, e a profunda influência africana no cotidiano e na cultura brasileira. Freyre também discute como a língua portuguesa no Brasil se transformou ao incorporar elementos africanos e indígenas.
Paralelo: O poema evoca essa transformação linguística e cultural, ecoando a narrativa de Freyre sobre como os africanos escravizados e os indígenas moldaram aspectos fundamentais da vida brasileira, incluindo a linguagem.
4. Linguagem Popular e Oralidade
A estrutura do poema e a valorização da oralidade e das expressões populares se assemelham às tradições literárias que celebram o falar do povo. O poema parece dialogar com a tradição de Cordel, com sua valorização de figuras religiosas, mitológicas e da cultura popular, assim como a linguagem coloquial e musical. Também se relaciona com a obra de poetas como Patativa do Assaré, que traziam à tona a sabedoria popular e a linguagem dos sertanejos.
Paralelo: O uso de termos como “cafofos”, “muambas”, e "ajiras" no poema reforça essa relação com a fala popular, algo muito presente na literatura oral e escrita do cordel nordestino, além de carregar traços da herança linguística que também incorpora expressões africanas e indígenas.
5. Mitologia Indígena e Religiosidade Afro-Brasileira
A menção a Jaci, deusa da lua para muitos povos indígenas, e a Tupã, divindade suprema em diversas cosmologias indígenas brasileiras, juntamente com as referências a Iansã e outros elementos das religiões afro-brasileiras, como a "macumba" e os "terreiros", refletem o sincretismo religioso característico do Brasil. A presença dessas figuras ressalta a intertextualidade com a mitologia indígena e a religiosidade afro-brasileira.
Paralelo: Essas figuras são elementos centrais na formação da espiritualidade brasileira e foram exploradas na literatura, como nos romances de Jorge Amado, que integram o Candomblé e outras tradições populares em suas narrativas.
6. Crítica Social e Colonialismo
O verso "Tropeça na língua, patrício!" faz uma crítica direta à herança colonial, destacando a imposição da língua portuguesa e sua transformação pela mistura com as línguas e culturas indígenas e africanas. Essa crítica remete à literatura de Autores Pós-Coloniais como Frantz Fanon e Ngũgĩ wa Thiong'o, que discutem o impacto do colonialismo nas línguas e nas identidades dos povos colonizados.
Paralelo: A crítica ao "patrício" pode ser lida como uma referência aos colonizadores e suas tentativas de controlar e padronizar a língua e a cultura dos povos colonizados, algo que é subvertido pelo processo de apropriação e transformação linguística.
7. Língua como Resistência e Subversão
O poema também parece dialogar com autores como Oswald de Andrade e sua Antropofagia, que defendia a ideia de que a cultura brasileira era feita da "deglutição" das influências europeias, africanas e indígenas, transformando-as em algo novo e próprio. A “mulecagem morfosintática” descrita no poema faz alusão ao fato de que a língua portuguesa no Brasil foi transformada e subvertida pela influência das línguas indígenas e africanas.
Paralelo: A irreverência com que o poema trata a língua portuguesa, quase zombando de sua "pureza", reflete o espírito antropofágico de Oswald de Andrade, que via na mistura e na subversão das influências coloniais uma forma de resistência e afirmação cultural.
8. “Navio Negreiro” (Castro Alves)
A referência aos "maltrapilhos marinheiros" e às figuras escravizadas, como as "mucamas" e "quilombos", pode remeter ao poema “O Navio Negreiro” de Castro Alves. Embora o poema de Castro Alves tenha uma tonalidade mais trágica, ambos compartilham a crítica à exploração e à opressão dos negros no Brasil, além de reconhecerem a importância da cultura afro-brasileira.
Paralelo: A ligação com “O Navio Negreiro” se dá na denúncia da exploração e no reconhecimento da resistência cultural e linguística dos povos africanos trazidos ao Brasil.
9. Relação com o Samba e a Cultura Popular
A menção a "sembas e sambas" também é significativa, já que o samba, como manifestação cultural afro-brasileira, sempre foi uma forma de resistência e expressão das classes marginalizadas. O poema se insere, assim, em uma longa tradição de textos que celebram e defendem as expressões culturais populares, que resistem à homogeneização imposta pelo poder colonial e pelos grupos dominantes.