Alitera-me!

Alitera-me em vasos rasos
Em cacos quebrados, alitera-me
Em notas à base de carvedilol, alitera-me

Enquanto caem as folhas,
as lágrimas temperam a alma,
o tempo alitera-me!

Como uma anáfora, 
os atos são retomados,
numa reprise sem encantos, alitera-me!

Enfadonhos dias, berros cicatrizantes,
Com pulmão inflado de mágoas 
Prostrado em busca de um sermão!

Alitera-me!


1. Aliteração e Poesia Simbolista

O uso constante de aliteração no poema pode remeter à tradição da poesia simbolista, em que a musicalidade, o ritmo e a repetição de sons são fundamentais. Cruz e Sousa, um dos principais poetas simbolistas brasileiros, utilizava a aliteração de forma recorrente para criar atmosferas de tensão e musicalidade em seus poemas. A insistência no som como forma de organizar e dar sentido ao caos emocional evoca esse aspecto simbolista.

2. Alusão ao Tempo e à Anáfora (Ovídio e T. S. Eliot)

A referência ao tempo, que "aliterar" o sujeito lírico, pode ser lida como uma referência à ideia cíclica do tempo que encontramos em poetas como T. S. Eliot, em obras como The Waste Land, onde o tempo retorna em ciclos, repetindo ações e angústias. Além disso, o uso da anáfora, explicitamente mencionada no poema, pode remeter às tradições clássicas, como as obras de Ovídio (Metamorfoses), que trata da repetição e transformação ao longo do tempo.

3. Referência à Medicina e à Poesia Confessional (Sylvia Plath)

A menção a "notas à base de carvedilol", um medicamento usado para tratar problemas cardíacos, pode ser interpretada como uma referência à vulnerabilidade física e emocional do eu lírico. Isso lembra a poesia confessional de Sylvia Plath, que frequentemente lidava com temas de fragilidade psicológica e física. Em seus poemas, como em Ariel, Plath também evoca uma sensação de repetição e desgaste emocional profundo.

4. Ecos de Sermões Religiosos (Sermões Barrocos)

A busca por um "sermão" no final do poema evoca a tradição dos sermões religiosos, como os de Padre Antônio Vieira, marcados por uma retórica intensa, repleta de figuras de linguagem e repetições. O tom prostrado e suplicante do eu lírico diante do "sermão" sugere uma intertextualidade com esse tipo de literatura sacra, onde a repetição era usada para martelar ideias e emoções.