Peça da Índia

Açoite-me,
Esconda-me, 
Ignore-me
Em seu cabedal!
Em pesadelos, regozija-lo-ei:

Olhos negros da Guiné,
De joelhos ou em pé,
Da mina, o rubro licor tinge
a eclesiástica escritura...

Lisura! Lisura!

Lágrimas d'alma,
Cauris ou conchinhas
Em historinhas capuchinhas,
Lembrancinhas, lembrancinhas...

Erguei-vos, sobas: 
-Aos sofás, 
Quiçá, salve as crias de leite,
Ignore as de pé:
-Humilhe-me!
-Assente-me!

Não és crente! Não és crente!

Nas pias, sem um pio,
Nas mesas, velas acesas
Nos batentes, seu bafo quente,
No grito, ranger dos dentes,

Noutrora, a missa tranquila, 
Com o arrastar das correntes,
o balançar dos pingentes,
Essa gente preta consente?

O que sentes? Não, sentes?

Nos urros gentios, nos morros, 
mocambos e terreiros,
- Dona Maria, 
subemprego, sossego?

No oco do estômago, rugas cruas
Nas lamúrias, nos choros, nas cadeias sujas,
nas câmaras, custódias,
Vadiagem e homicídios,
nas feridas e nas mentes:

-Comentes, comentes!

No tumbeiro do Congo,
na escuridão de Luanda
- No porão, de bruços:
- Sem soluços! Sem soluço!

A toda a miséria, a ti o meu corpo,
-A gentalha que nosso progresso atrapalha,
Não percebes a dívida a ser paga, 
Pagas?

No cetim ou na arruaça,
No fumo de corda ou na cachaça,
dos engenhos às esmeraldas
Do banto ao quibundo
Do afogado ao astuto,
Do país que ignora e 
"sabe tudo"?
- Tudo!

Por Antonio Archangelo, 2023


A análise comparativa entre o poema "Peça da Índia," composto em setembro de 2023, dedicado a Antonio Archangelo, e o renomado "Navio Negreiro," escrito por Castro Alves em 1869, revela interessantes semelhanças e contrastes em relação à abordagem de temas relacionados à escravidão e à opressão, bem como a diferentes aspectos de estilo e ênfase temática.

Primeiramente, é crucial contextualizar essas obras. "Peça da Índia," embora não esteja vinculado a um contexto histórico explícito, parece aludir a questões contemporâneas, explorando a persistência das consequências da escravidão e da opressão até os dias atuais. Por outro lado, "Navio Negreiro" de Castro Alves foi produzido em um período em que a escravidão era uma realidade no Brasil do século XIX, descrevendo vividamente as duras condições dos escravos durante sua travessia atlântica.

Em termos de estilo e abordagem, "Peça da Índia" utiliza uma linguagem poética densa e imagens vívidas para transmitir suas mensagens. O poema emprega repetição e perguntas retóricas de maneira significativa para envolver o leitor na reflexão sobre as questões levantadas. Em contrapartida, "Navio Negreiro" de Castro Alves é uma obra de poesia épica, caracterizada por uma narrativa mais direta e dramática. O poema utiliza métrica e rima para criar um ritmo intenso e emocionante, que intensifica a empatia do leitor com o sofrimento dos escravos.

Outro aspecto relevante é o foco nas vítimas da opressão. "Peça da Índia" menciona as vítimas, mas também questiona a moralidade da sociedade como um todo, ampliando seu escopo. Por outro lado, "Navio Negreiro" de Castro Alves coloca um forte foco nas vítimas, descrevendo detalhadamente a agonia física e emocional dos escravos a bordo do navio negreiro. O poema busca incitar a indignação e ação direta contra a crueldade da escravidão.

Em termos de mensagem subjacente, "Peça da Índia" pode ser interpretado como um chamado à consciência social e à reflexão sobre as questões históricas e contemporâneas relacionadas à opressão, sugerindo uma complexa teia de responsabilidade compartilhada. Enquanto isso, "Navio Negreiro" de Castro Alves é uma denúncia emocional e contundente da escravidão, com o propósito de despertar uma profunda indignação na sociedade e inspirar ações para erradicar essa injustiça.

Em conclusão, a leitura de ambos os poemas, "Peça da Índia" e "Navio Negreiro," é altamente recomendável para aqueles interessados em explorar a complexidade das questões relacionadas à escravidão, opressão e justiça social. Essas obras oferecem perspectivas distintas e complementares sobre esses temas, enriquecendo o entendimento e a reflexão crítica sobre essa parte sombria da história e suas ramificações contemporâneas.

Comentários